Sabe aqueles dias que você acorda, vai ao banheiro,
abre a torneira da pia, a água com baixa pressão correndo entre seus dedos,
aquele frescor de lavar o rosto que acabará de alongar com os primeiros raios
de sol e os assovios dos pardais? Um dia comum, um dia de semana, mas era
sábado, pois é, me retirei do conforto da água corrente que faz indagar o quão
bom a natureza, mesmo encanada, é bela. O café já estava pronto, tomei minhas
duas xicaras e levei a terceira para a escrivaninha onde trabalho, tinha um
artigo para entregar sobre um autor inglês, o semestre de literatura
estrangeira estava me matando, principalmente quando o autor tem sobrenome de
Bacon, deixo claro para quem está lendo meu diário, é o Francis não o Kevin.
Já ouvia a badalas dos sinos da igreja do bairro, era o fim
da tarde e nada como um dia de pesquisa, terminar a filosofia no bar. Olhei
para a janela e vi as nuvens cinzas do preludio que uma à ventania e uma boa
chuva chegaria, mas nada me impediria de finalizar o meu dia de “ensaios”. Fui até um pub próximo, tomando aquela brisa
nas bochechas como um apaixonado entrega um beijo a sua amada sabendo que a
noite vai ser especial, pedi uma bela cerveja e um lanche do chef. Não liguei
para o evento que teria, naquela noite, mas foi especial. Não me importo com
estilo musical principalmente num pub, então dos textos da Inglaterra para a músicas
atuais, que daqui 10 anos vão ter um grande valor. Bebi, flertei, me diverti e
retornei.
Nada como deixar a chave cair entre os dedos, enquanto as
gotas da chuva pingam da testa para as pálpebras, ao me levantar vejo que a luz
do meu quarto está acessa, achei estranho, ele
disse: estranho; você não vai escrever isso, entrei em casa, imaginei, que
poderia ter deixado a luz acessa antes de sair, ‘poderia’ anote isso, entrei no meu quarto nada anormal, ‘anormal’, essa foi a melhor desse dia, ele
não viu a mancha de sangue no próprio travesseiro!?.
Fui ao banheiro e abri a torneira da pia esperando aquele
frescor da água corrente percorrer novamente em minhas mãos, ouvi um sussurro ao
invés da água, ergui a cabeça e vi o espelho quebrado, um pequeno fragmento que
se sustentava estava oxidado, fechei os olhos e abri novamente, e lá estava o
espelho quebrado, olhei ao meu redor, senti o cheiro do abandono, o que estava acontecendo!?
“Abandono? Sério que você escreveu isso?
Você se acha tão inocente que não tem noção da sua volta”
Andei por toda a casa, nada havia nela, somente a porta do
meu quarto estava fechada e ao chão com a poeira e detritos um pedaço de faixa
amarela com a escrita “crime”. Abri a porta, nesse momento eu sabia que nada
disso era real, era um sonho, um pesadelo, um devaneio da minha mente. O quarto
estava intacto, da mesma forma que eu tinha visto minutos atrás, olhei para os
corredores onde meus pés estavam e da mesma forma destruídos pelo clique do
tempo.
Fui até a janela e ao abrir ela o céu estava cinza e a brisa
trazia folhas de papel queimadas, um fragmento veio direto em minha direção e
impresso estava: “ensaios – Bacon”. Me sentei ao pé da cama com aquele pedaço
de papel amassado entre meus dedos, tentando compreender o que estava
acontecendo. Não sei se foi minutos ou horas, ‘anos’, e gralhas estavam no muro, murmurando como pessoas naquelas
fofocas que falam mal de alguém. Ao encostar minha cabeça na cama logo me
levanto ao bater a mesma em o que seria um pé gelado.
Olhei com medo e a adrenalina subindo em minhas veias, era o
corpo de uma garota, deveria ter seus 25 anos, linda, porém, ao notar o pescoço
havia marcas de mão.... Ela foi sufocada em minha cama?! “Sim, ela foi”, olhei
com espanto para a porta do quarto, e como num espelho me vi encostado com
olhos frios me auto observando, e perguntei por que eu faria isso, nem ao menos
conhecia ela. “Conheceu, a noite inteira, aliás ela era uma boa pessoa, você ao
contrário, não posso dizer o mesmo”, nessa hora uma das gralhas voou para o
quarto e roubou um dos belos olhos azuis da moça. Sai correndo do quarto, a
casa destruída, abri o portão da frente e sai sem olhar para trás.
Me vejo na frente do bar, entro e peço uma cerveja e o
lanche do chef, algumas horas passam, e olho na minha solitária mesa, outro eu,
sentado observando a pista e o palco onde a banda começava a passar o som, lá
estava ela, a moça. Começo a suar frio, porém estou estático só observando, meu
outro ergue a mão, anota num pedaço de papel, algo que não consigo ler e guarda
no bolso, o garçom vem e ele pede um bloody
mary para ser entregue a moça. Escuto o barulho da chave caindo ao chão, e
uma risada suave e gostosa de fundo.
O que está acontecendo?! “Você é
inteligente, aliás seu texto teria sido um 10, e não consegue descobrir por si só?
” 'Inteligente, assassino, mentiroso’. Eu
nunca mataria aquela menina! 'Inteligente,
assassino, mentiroso’ Eu matei ela?! Falei alto enquanto entrava no quarto,
acompanhando ela, vejo uma mancha de sangue no travesseiro e ao lado do criado
mudo o abajur quebrado, ‘mas você sufocou
ela, não? Não, sufocamento foi antes,
ela adorou o coito, você por outro lado...’ Quem é você?! O que está fazendo, o que fez comigo?! Olho para traz e vejo a luz do
escritório acessa e uma criança passa correndo... onde estou?! E nisso outra
gralha passa na minha frente e escuto:
- Mãe, você deixou o computador ligado?
- Não, filho por que?
- Tem um texto aqui, e tem um cara na outra porta me
olhando.
Passos rápidos se aproximando da sala, no monitor um arquivo
de texto aberto: Ensaios por ... o monitor se apaga, as lâmpadas explodem, o
céu era cinza, chuva, chave.
~~~Esse é apenas um conto que veio a minha cabeça e decidi escrever, espero que tenham gostado!